Sempre me emociono quando reparo o
quanto filhos adotivos passam a se parecer com os seus responsáveis. Ninguém
diz que foram adotados: o mesmo olhar, o mesmo andar, a mesma forma de soletrar
a respiração. Há um DNA da ternura mais intenso do que o próprio DNA. Os traços
mudam conforme o amor a uma voz ou de acordo com o aconchego de um abraço.
Não subestimo a força da convivência.
Família é feita de presença mais do que de registro. Há pais ausentes que nunca
serão pais, há padrastos atentos que sempre serão pais.
Não existem pai e mãe por decreto,
representam conquistas sucessivas. Não existem pai e mãe vitalícios. A
paternidade e a maternidade significam favoritismo, só que não se ganha uma
partida por antecipação. É preciso jogar dia por dia, rodada por rodada. Já
perdi os meus filhos por distração, já os reconquistei por insistência e
esforço.
Família é uma coisa, ser parente é
outra. Identifico uma diferença fundamental. Amigos podem ser mais irmãos do
que os irmãos ou mais mães do que as mães.
Família vem de laços espirituais;
parente se caracteriza por laços sanguíneos. As pessoas que mais amo no
decorrer da minha existência formarão a minha família, mesmo que não tenham
nada a ver com o meu sobrenome.
Família é chegada, não origem.
Família se descobre na velhice, não no berço. Família é afinidade, não determinação
biológica. Família é quem ficou ao lado nas dificuldades enquanto a maioria
desapareceu. Família é uma turma de sobreviventes, de eleitos, que enfrentam o
mundo em nossa trincheira e jamais mudam de lado.
Já parentes são fatalidades, um lance
de sorte ou azar. Nascemos tão somente ao lado deles, que têm a chance natural
de se tornarem família, mas nem todos aproveitam.
Árvore genealógica é o início do
ciclo, jamais o seu apogeu. Importante também pousar, frequentar os galhos,
cuidar das folhagens, abastecer as raízes: trabalho feito pelas aves
genealógicas de nossas vidas, os nossos verdadeiros familiares e cúmplices de
segredos e desafios.
Dividir o teto não garante proximidade, o que
assegura a afeição é dividir o destino.
Por: Fabrício Carpinejar
Nenhum comentário