Como fica o
adolescente que não pode retornar para seus familiares e não há possibilidade
de adoção em função da idade ou de sua resistência a nova família candidata a
adotá-lo?
O que as
instituições de acolhimento (suas equipes, coordenadores, cuidadores e diversos
outros atores) fazem para que esses adolescentes possam sair da Instituição e
estarem em condição de enfrentar a vida sem nenhum suporte (uma referência no
caso de ficar doente, uma casa para passar o natal)?
Soube que
há poucos anos, numa cidade do Sudeste, alguns adolescentes saíram de um Abrigo
com 18 anos e foram morar num prédio abandonado. Eles tiveram cama,
alimentação, roupa lavada, cuidados diversos até os 17 anos e 11 meses e depois
foram para rua sem nada. O que você faria para sobreviver estando nessa
condição? O que deveríamos fazer para que histórias assim não se repitam?
Em primeiro
lugar, essas instituições (antigamente chamadas de orfanatos) precisam se
organizar, planejar pelo menos como serão os 4 últimos anos dos adolescentes
acolhidos antes de se completar a maioridade. Os projetos de “preparação para a
saída dos adolescentes acolhidos” deve ter o TOTAL apoio financeiro da Prefeitura
para educar de “verdade” esses jovens. Se elas e eles apresentam uma baixa
autoestima, baixa escolaridade, nenhum curso profissionalizante, como poderão
encontrar um trabalho? Mesmo que exista somente uma tia distante que aceita
receber o adolescente um dia do mês para visita, que a instituição o leve até
lá. É um laço que fará falta no futuro.
Participei
de uma audiência que alguns tios foram tão pressionados e tão invadidos na sua
privacidade por diversas equipes profissionais que se sentiram acuados e se
afastaram do sobrinho que estava acolhido. O excesso de visitas domiciliares
por assistentes sociais, psicólogos e outros profissionais da instituição
também podem prejudicar a reaproximação familiar, assim como o contrário também
pode prejudicar a construção do afeto. Nesse trabalho todo cuidado é pouco,
pois são vidas feridas pelo abandono (ou violência) dos pais.
Defendo
ainda os projetos de colocação no mercado laboral a partir dos 14 anos, o
chamado“Jovem Aprendiz”. A prefeitura de Rio das Flores (RJ) implantou este
projeto há alguns anos e além de qualificar o adolescente “acolhido”, este
guardará 80% do salário e sairá aos 18 anos com uma poupança e com um currículo
iniciado. Futuramente, a prefeitura de Valença (RJ) também implantará o mesmo
projeto. É um caminho!
Participei
de uma audiência concentrada na cidade do Carmo (RJ) – estas acontecem duas
vezes ao ano no Estado do Rio de Janeiro, abril e outubro, para se avaliar a
situação de cada criança e adolescente institucionalizado. Então, observou-se
que alguns adolescentes sairiam da instituição de acolhimento porque haviam
completado 18 anos. Como não estavam trabalhando, promotora e juiz acordaram
que a Prefeitura pagaria um aluguel para os mesmos, até que eles estivessem
empregados.
Acredito
que respostas exitosas possam aparecer para as indagações iniciais do presente
texto, entretanto são necessários autoridades e profissionais comprometidos com
a causa da infância.
No ano
passado participei de um processo onde dois adolescentes cometeram um ato
infracional e, ao invés de puni-los com medida extrema (internação), promotora
e juiz decidiram transferi-los para outras instituições. Nestes Abrigos eles
foram tratados sem rótulos e individualmente, os resultados positivos foram
impressionantes. Um deles retornou ao Abrigo de origem e sempre se refere com
saudade da outra instituição onde recebeu um olhar diferenciado, especial. O
segundo adolescente, continua na instituição para onde foi encaminhado e lá
está inserido em diversas atividades, inclusive há dois meses está exercendo
uma função remunerada na Prefeitura.
Vale
destacar, que esses jovens apresentam altos e baixos porque possuem uma
história difícil de sofrimento – desamparo dos próprios familiares. Talvez se
tornariam mais revoltados se tivessem sido “punidos” com medida de internação.
Ter saído de sua cidade já foi um limite importante, não faltou à intervenção
da justiça.
É
lamentável quando os cuidadores e coordenadores das instituições de acolhimento
se queixam com frequência do comportamento dos acolhidos, alguns dizem que eles
deveriam ser mais “obedientes” e “calmos”. Esses funcionários deveriam ser mais
preparados para a função e também deveriam receber salários mais justos. O
treinamento constante dos cuidadores também seria essencial, eles não podem e
nem devem “proteger” os mais “tranquilos” e “perseguir” os mais “revoltados” e
estigmatizá-los.
É claro que
as crianças necessitam seguir as regras e uma rotina organizada, isso também é
fundamental para educação dos mesmos.Mas eles chegam de lares que não havia
horário para nada, sendo difícil se adaptar a uma instituição com várias
regras.
Outro
adolescente, muito inteligente, teve oportunidade de ser adotado, mas não se
adaptou. Ele diz que possui o desejo de voltar a conviver com o pai e fala com
muita propriedade dos seus direitos. O genitor passou por muitos reveses e por
isso perdeu a guarda dos filhos. Mas J. (13 anos) não perdeu as esperanças, ele
ainda acredita que poderá um dia morar com o seu pai.
Recentemente,
J. cometeu um ato infracional. Promotora e juiz decidiram colocá-lo numa
instituição fechada, ele cumpriria a medida de internação. No domingo, o juiz
da comarca decidiu visitá-lo na Delegacia; ele estava aguardando a
transferência e seria levado na segunda-feira para um local destinado aos
adolescentes infratores. Nesta visita o juiz decidiu dar-lhe mais uma chance.
Com a concordância da promotora, o adolescente foi para uma Instituição de
Acolhimento que tem sido um modelo de qualidade no atendimento na região.
Então, na
nova instituição, J. foi entrevistado para um concurso, gostaram do que ele
falou e, em breve, será premiado. Na entrevista o adolescente conta que quer
mudar de rumo, “quer ser um homem responsável com suas obrigações”, que deseja
– quando for adulto – ser um pai dedicado, um pai diferente que o seu conseguiu
ser. Contou, determinado, que decidiu estudar para ser juiz.
J. viu no
juiz que foi visitá-lo um modelo, alguém que vale a pena “copiar”. O magistrado
o escutou, olhou para ele, demonstrou preocupação sincera pela sua história de
vida e lhe deu outra oportunidade.
Em breve,
entrevistaremos J. e deixaremos ele mesmo contar para vocês sua experiência.
Aguardem!
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